Didimo Gadioli
Quando comecei a preparar a festa para comemorar os 100 anos de imigração italiana em Quiririm, eu quis pesquisar um pouco mais sobre o antigo Quiririm, eu sempre gostei muito de conversar com as pessoas mais velhas e sempre que passava pela esquina da rua do meio para ir a padaria eu dava uma paradinha com o tio Didimo, que estava sempre na janela. Dessas paradinhas, um dia nasceu essa entrevista que muito me deixa feliz em ter podido aprender com esse sábio senhor de 81 anos.
Pergunta: Tio Didimo, onde o senhor nasceu e como foram seus primeiros anos de vida?
Resposta: Eu nasci no Bonfim no dia 20 de agosto de 1907, minha mãe era uma veneziana forte e foi ela quem escolheu o meu nome. Meu pai era de Mantova e as vezes os dialetos não batiam mas eu sempre arriscava a falar em italiano com meus pais. Eu sempre fui muito moleque e minha mãe me esconjurava no seu dialeto veneziano. Nossa casinha era muito pequena e simples, meu pai que a construiu com pau de goiabeira, todo torto.
Pergunta: Tio, o senhor frequentava a escola?
Resposta: Sim, nossa casa era próxima a pequena escola, era um casarão construído na beira da estrada de ferropelo Governo Federal. Dois turnos dividiam os professores Sinésio e Aristides. Este dava as aulas de dia, aquele de noite, para a garotada que era obrigada a trabalhar. Na escola eu fiz até o segundo ou terceiro ano. Mais tarde ela foi transferida para o largo da Matriz, numa sala alugada por Artur Ponzoni (o alfaiate), pai do Alésio.
De Guaratinguetá vinha o professor Joaquim Ferreira Pedro, que chegou a construir uma casa, onde hoje é a casa do Pellogia. Depois que ele foi embora, vendeu-a e os Peloggias a demoliram e construíram outra. Me lembro que o quarto ano eu fiz no Grupo Velha, ainda em construção. Isso era no final da década de 10. Eu não me conformo com o nome dessa escola, quem a construiu foi Amadeo Piccina, ele colocou “22 contos” ali e não é justo terem colocado o nome do Deputado Cesar Costa.
Onde é o Grupo Escolar existia antes muitas amoreiras e ali morava Camilo Biasi, ou Camilo “Pampa”, apelido que ganhara pelas inúmeras manchas que tinha no rosto.
Pergunta: Tio e quando o senhor era jovem, como se divertiam? Tinha bailes, festas, namoros?
Resposta: (Uma deliciosa e sonora gargalhada) Naquele tempo agarra agarra não existia, a moça namorava na janela e no máximo duas vezes por semana, isso depois de já ter buscado água na bica com uma turma de dez ou mais amigas, ajudado a mãe na janta e lavado a louça. Nove, nove e meia no máximo o pai já mandava a moça fechar a janela.
Calça comprida era um sacrilégio e raspar a perna nem pensar. Eram aqueles pernões peludos debaixo de uma saia comprida, que muito raramente uma ou outra mais ousada levantava. O casamento era uma festa para todo mundo, se enfeitava as ruas com bambus e bandeirinhas e se jogavam confetes nos noivos. Mas… misturar a raça jamais.
Os pais não permitiam casamento entre noivos que não fossem imigrantes ou descendentes de imigrantes italianos. Diziam que o brasileiro não sabia fazer economia. Se compravam um queijo comiam no mesmo dia. Já a italianada o fatiava e o comia com polenta, um pedacinho por dia, o que dava para a semana inteira.
E italianada era o que não faltava, além do Quiririm tinha também no Pinhão, eram os Savios, os Turcis, os Botans e os Peloggias. Quiririm tinha muita distração. Banda de música. Vinho, muito vinho. Bocha. Muita música e bailes onde todos, jovens, velhos, casados e solteiros se divertiam. A banda era muito boa e uma música gostosa saia das bochechas estufadas do Ambrosio Compiani, Albino Montesi, Alessandro Soldi, Artur Sgarbi, Pepino Manfredini, Pepino Corbani, Palmiro, Vitório, entre outros, sob a batuta do professor Evilasio de Souza, cego de uma vista, mas que enxergou bem a Anita Chicole para pedi-la em casamento.
A bocha era jogada no bar do Indiani, onde hoje fica o loteamento do Mauricio. Além da bocha o baralho também comia solto. Mora, 3 – 7, scoppa eram os preferidos. O carnaval então nem se diga … o lança perfume, muito vinho..No futebol era o verde e branco. Eu cheguei a jogar pelo verdão, mas machuquei o joelho e precisei parar. Para mim os maiores jogadores do meu tempo foram: Amadeu, Virgilio Valério, Simi, Pepino Berghi, Gianino, Miguelzinho e Augusto Vasconcelos, o único brasileiro.
Pergunta: Tio, e tinha em Quiririm alguma indústria, o que tinha aqui?
Resposta: Tinha sim, a primeira fábrica de Quiririm foi a fábrica de cordas dos Indiani, eu me lembro quando ainda nem existia energia elétrica e eu ia sempre que podia bisbilhotar a fábrica.
Os Indiani haviam construído uma olaria para construir o casarão, mas aos poucos a produção foi crescendo, o que lhes permitiu ganhar a concorrência para fabricar tijolos com a marca “Estrada de ferro Central do Brasil” enviados de Quiririm para o Rio de Janeiro.
Os Farabulini tinham uma fábrica de macarrão, tudo manual. O velho Canavezi tinha uma padaria, também artesanal. Tinha fábrica de manteiga, de tinta, garrafa, isso tudo numa época sem luz elétrica.
A energia elétrica chegou em Quiririm entre 1914 e 1915, eu estava na escola, tinha 8 anos e ajudei a esticar os fios lá para baixo. O primeiro rádio que eu vi foi na casa do Angelo Valério, foi na época da segunda Guerra Mundial. Antes para se saber de quanto o Palestra tinha ganhado no dia anterior corríamos até a estação Central. A notícia vinha com o primeiro trem de São Paulo.
E a nossa entrevista foi longe..impossível transcrever para o papel toda emoção e alegria desse sábio senhor. Impossível de se transformar a grandeza da sua vida na simplicidade de tão poucas linhas de história.
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